INDICAÊ – Meninos de Rua: a infância excluída no Brasil

Por Fernanda Monteiro (Graduanda História/UFRJ)

Lançado em 2011, em Meninos de Rua: a infância excluída no Brasil, Ligia Costa Leite analisa o que apontou ser “um dos mitos brasileiros”(p. 5): a presença de jovens e crianças nas ruas. Para tanto, a autora divide seu livro em três partes: “PROJETO DE NAÇÃO: 500 ANOS DEPOIS”; “CENÁRIOS DO CONJUNTO SOCIAL: AS LEIS E OS MENINOS DE RUA”; e “EM BUSCA DE NOVOS CAMINHOS: A ESCOLA TIA CIATA”. À vista disso, a proposta da presente resenha é abordar o livro a partir da sequência que a autora apresentou no livro. 

Na primeira parte da obra, Costa Leite narra historicamente como se deu a presença dos chamados meninos de rua no Brasil, perpassando os anos de 1550 até o governo de Vargas. A autora realiza uma abordagem muito interessante que é a análise de determinadas terminologias que classificavam conjuntamente crianças e/ou adolescentes e a suas condições sociais. Um exemplo disto é que os sujeitos que chamamos atualmente como “meninos de rua” já foram nomeados, no Brasil, de desvalidos, termo que expressava o sentido de “desprotegido” ou “sem valor”(p. 9). Desta maneira, Ligia Costa Leite discorre acerca do surgimento das primeiras instituições filantrópicas – como a Roda dos Expostos, criada em 1738 – e assistencialistas governamentais – como a Escola de Marinheiros e a Escola XV de Novembro – destinadas aos “meninos de rua”.

A autora chama a atenção do leitor para o fato de que, por muito tempo, coube à filantropia o cuidado daqueles que não eram assistidos socialmente pelo governo. Assim, desde a Roda dos Expostos até a criação do ECA, os principais espaços que recolhiam e assistiam os jovens e crianças abandonados –  voluntária ou involuntariamente – eram as entidades filantrópicas, em destaque as ordens da Igreja Católica e ONGs. Por conseguinte, Costa Leite defende que a maneira pela qual o direcionamento sobre de quem deveria se responsabilizar por essas vidas indicava o desinteresse social e político no investimento de vida das crianças pobres.

Na segunda divisão do livro, a pesquisadora aborda a emergência de leis, como o Código de Menores de 1927 e o próprio ECA, que tratavam/tratam especificamente de questões da “infância moralmente desassistida”(p. 30) e das consequências que essas legislações trouxeram para os menores de 18 anos que viviam/vivem em situações de vulnerabilidade social e econômica. Costa Leite destaca que até 1926 não havia uma lei específica que lidasse com esses assuntos. No entanto, a autora dá bastante ênfase para as formas pelas quais as leis foram “interpretadas” por juízes e forças policiais, resultando em um grande número de crianças e jovens “vadios, libertinos e mendigos”(p. 31) apreendidos e internados em espaços que não propiciava uma educação de qualidade, mas servia como uma espécie de contenção espacial de possíveis ameaças do controle da ordem social.

Além disso, ainda nesta segunda parte, Ligia Costa Leite apresenta algo que considera como essencial para que sejam superadas as tensões entre a sociedade brasileira e os “meninos de rua”: a narração da perspectiva que essas crianças e jovens têm sobre si mesmos e sobre a sociedade. Assim, a pesquisadora não somente humaniza esses indivíduos como também mostra como eles enxergam a vida, tratando dos embates morais entre a sociedade e os meninos e meninas de rua.

Por fim, Costa Leite narra a experiência do projeto de escolaridade da escola Tia Ciata, desenvolvida de 1983 até 1989 e planejada especificamente para meninos e meninas de rua. Segundo a autora, a proposta metodológica deste projeto “teria que disputar com o fascínio do crime a atenção dos meninos e meninas de rua e ainda assim atraí-los para o estudo das letras”(p. 75). Deste modo, foi elaborado um projeto que propunha o desenvolvimento de atividades pensadas a partir da realidade desses alunos. A pesquisadora discorre sobre os desafios enfrentados pela equipe pedagógica, as falas depreciativas lançadas sobre os professores e a escola durante o funcionamento do projeto e as mudanças de vida que muitos alunos tiveram.

Isto posto, finalizamos essa resenha recomendando o livro de Ligia Costa Leite. Ele é útil tanto aos educadores e historiadores que se interessam por História da Educação quanto por pessoas que se inquietam com a realidade social brasileira. Costa Leite faz muito mais do que narrar processos históricos que afetam nossa realidade! Ela nos convida a repensar nosso olhar sobre aqueles que são vistos por extremos – pena ou ódio –, enquanto seres humanos e como nossa responsabilidade social e política.