De encantos e ilusões: a história do subúrbio do Rio de Janeiro

[Foto: Bonde virado pela população na Revolta da Vacina Acervo IMS. Acesso em: out/2020]

Livia de Fátima Conceição e Larissa Santana (Graduandas FE/UFRJ)

Vacinar é preciso

Esta cidade carinhosamente denominada de Cidade Maravilhosa, nos versos de André Filho e na voz de Aurora Mirando no carnaval de 1935, nem sempre foi “cheia de encantos mil” ou como um “Jardim florido de amor e saudades”. O Rio de Janeiro do fim do século XIX/início do século XX passava por um período conturbado. Além das divergências políticas, havia graves problemas de moradia e locomoção devido a explosão populacional, aos altos índices de concentração no centro e na área portuária da cidade, além dos surtos de doenças (como a febre amarela, que assolavam os cortiços da região central).  Com a chegada da República e a necessidade de deixar no passado a imagem de cidade-colonial foi promovido um processo de modernização. A ideia de civilização passava por muitas instâncias, que foram sendo alvo de reformas ao longo do início do século, entretanto só seria possível superando a crise higiênica. A partir desse discurso, comandada por Oswaldo Cruz, ocorreu uma vacinação forçada da população contra a febre amarela, ocasionando em 1904 a Revolta da Vacina. O processo não tinha a participação nem a cooperação da sociedade, somado às questões morais conservadoras que estavam sendo quebradas e a falta de compreensão da importância da vacinação.

O bota-abaixo

Mas a modernização não visava apenas garantir a saúde da população com campanhas de vacinação. Para diminuir a concentração de pessoas, foram derrubados os cortiços no movimento conhecido como “bota-abaixo”. As ruas foram alargadas para maior circulação de pessoas e produtos pelo Centro até o Porto.

Diante desse processo de reformas se concentrando no centro urbano e a destruição dos cortiços, grande parte da população que residia nas regiões central e portuária teve que procurar moradia em outras áreas da cidade, seguindo para as áreas suburbanas. Percebe-se como esse ideal modernizador que estava transformando a cidade tinha um caráter econômico, capitalista, que encobria a realidade da cidade, como um efeito de ilusão. As mudanças aconteciam no centro, de forma que “os indesejáveis” se retirassem.  Dentre o fim do século XIX e início do XX houve uma grande expansão ferroviária, iniciando o movimento entre o subúrbio e o centro. Apesar do anseio de retirar os indesejáveis das ruas da cidade, a mesma necessitava de sua mão de obra.

As Freguesias do Rio de Janeiro no século XIX


Fica perceptível esse movimento com o crescimento populacional de 293% na Freguesia de Inhaúma (equivalente aos atuais bairros de: Inhaúma, Engenho da Rainha, Cascadura, Quintino, Piedade, Pilares, Encantado, Engenho de Dentro, Méier, Cachambi, Todos os Santos, Engenho Novo) a mais próxima do centro urbano da cidade e o decréscimo das  áreas centrais em até 50%. Além disso, a malha ferroviária cresceu na área suburbana, criando mais linhas e estações, além de disponibilizar maior número de trens nos períodos considerados de maior movimento para os trabalhadores, no início da manhã e no fim do dia. (MIYASAKA, 2008)

Expansão da malha ferroviária no fim do século XIX
Expansão da malha ferroviária do RJno fim do século XIX.

Aumenta a população, mas faltam escolas e professores

Até o início desse processo de deslocamento da população dos distritos centrais para a Freguesia de Inhaúma, esta era composta majoritariamente por agricultores e trabalhadores domésticos e com baixos percentuais de alfabetização, sendo que cerca de 36% da população sabia ler e escrever. Havia, também, cerca de quatro professores de ensino primário, quatro escolas subvencionadas e três colégios.  Na virada do século, a composição social teve mudanças com o crescimento de contingentes de operários, trabalhadores manuais e funcionários públicos e com o aumento da demanda por serviços como educação. Nessa época, houve um aumento do número de professores, sendo cinco para o ensino de meninos e quatro para o de meninas (MIYASAKA, 2008). Assim as freguesias suburbanas continham, no final de 1906, 68 das 273 escolas da cidade.

Desde o século XIX,  a precária atuação do poder público nas áreas suburbanas com relação à educação e outros aspectos como saneamento, calçamento e iluminação das ruas se confirma com o baixo número de escolas, não acomodando as demandas expostas no jornais e folhetins  em circulação à época e a alta taxa de analfabetos.